Cena de "Fábulas de La Fontaine", de Bob Wilson, que ilustra a capa da edição brasileira de "O Teatro Pós-Dramático", de Hans Thies-Lehmann
“Na arte, o mais
elevado e o mais belo não são a mesma coisa.” – Hans Thies Lehmann
18 de abril – De ontem pra hoje fiz uma daquelas coisas que não fazia há
pelo menos uns 10 anos: fui dormir às oito e meia da noite, apaguei total e só
acordei hoje às sete e meia da manhã. Não foi um sono, foi uma viagem! Com
direito a altos pesadelos onde pessoas conhecidíssimas da minha antiga intimidade
migravam para o lado negro da força e eu, que adoro me passar por idiota só fiz
sofrer. Tudo bem, acordei! E continuei o meu périplo de ler “Teatro
Pós-Dramático”, de Hans-Thies Lehmann. É outra viagem. Dificílima! Lehmann é um
poço de erudição e por vezes é preciso ler mais de vinte vezes um simples
parágrafo para compreender a exatidão do seu argumento. Não, eu não estou lendo
em alemão! Estou lendo em português com tradução de Pedro Süssekind, numa
edição (como sempre!) primorosa da CosacNaify. É um livro maravilhoso!
Provocador e sensitivo e que faz com que você questione o tempo todo, não
apenas o que escreve Lehmann, mas o seu próprio teatro, suas próprias
convicções, sua maneira de fazer e entender a arte. Por vezes ele te faz sentir
um minúsculo quase nada, reduzindo-o ao mais inacabado entulho no fundo de um
brexó miserável localizado numa rua esquecida. Mas é preciso, tenho certeza!
Ainda me sobra muita alto-estima para chegar à sua página 427, a última. E eu
ainda estou enroscado e me degladiando sem tréguas com a 79, no começo do
capítulo sobre “pré-histórias do teatro
pós-dramático”. Vamos lá. Meu lado “não” ainda tenta entender que Lehmann
considera todo o teatro feito antes de 1999, desde os gregos, passando por
Shakespeare, Moliére, Checov, os modernistas, Brecht, o teatro do absurdo, e
tudo o mais como “dramático”e assim, de uma virada de página, apareceu o “pós-dramático”.
Então que milhares de anos de algo insistentemente dramático resolve lutar com
o “pós”. David e Golias não servem como metáfora porque são dramáticos e
lógicos. Mas, sigo com esse livro que faz meu cérebro ampliar-se e me dá uma
real dimensão do que faço e do que vejo. Por enquanto me ajoelho diante de Lehmann,
porque me faz muito bem. E do “pós” lá vou eu com o Bongiovanni para o Theatro
Municipal em sua cúpula, ao ensaio de “Ça-Irá” de Roger Waters (Pink Floyd),
que vai estrear dia 2 de maio. A regência é do maestro Rick Wentworth e a
direção cênica de André Heller-Lopes. Mais uma aventura por um universo de
música e cena. Assisti hoje a quase cinco horas de ensaio e não foram poucas as
vezes em que me arrepiei e quase chorei com solistas e coro. Como é linda a
música, meu Deus! Como são virtuosos esses seres que cantam com essa perfeição!
E no caso de “Ça-Irá”, os solistas não apenas cantam, mas enlouquecem e são,
além de tudo, atores excepcionais! Lehmann como um perverso fantasma me diz que
é melhor que a ópera seja em inglês e que não tenha legendas, porque o
resultado na plateia vai ser mais musical e menos literal. Acho que concordo!
Mas terá legendas, claro! De lá me atiro à aventura do metrô e suas incríveis
conexões e caio na Paulista, reino encantado de todo curitibano deslumbrado que
chega em São Paulo. Mesmo que seja pela milionésima vez! E perto de onde um dia
foi a mansão Matarazzo, um grupo de cineastas da MTV (Será?) me para e pergunta
se eu gostaria de responder a uma simples pergunta: “Você é contra ou a favor
do casamento gay?” E eu olho para a câmera e digo: “Sou a favor!” e o
jornalista (um garoto de não mais que 24 anos!), continua, “por quê?”. E a
resposta me pareceu muito simples. Pelo direito civil de escolha. Os
homossexuais têm o direito de querer ou não casar, como qualquer pessoa.
Afinal, do ponto de vista civil, não têm exatamente os mesmos deveres que
qualquer outro cidadão? Então por que não têm os mesmos direitos? E segui em
frente pensando em assistir “A Caça”, do Thomas Vinterberg, que deu o prêmio de
melhor ator em Cannes para Mads Mikkelsen. Vamos ver... E enquanto não chego ao
cinema fico viajando e viajando em tudo o que Lehmann, Waters, André-Heller,
Luiz Bongiovanni, Vinterberg e o mundo encantado da MTV quiseram me dizer nesta
quinta-feira. E onde tudo isso vai refletir em meu/nosso “Loucos de Pedra”! O
quê? Mais um dia... Não é assim?
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