Faz uns cinco anos que o Elder, lá do Rio de Janeiro, me mandou um
recado: “Bu, vê se leva pro Delírio um amigo meu que foi morar em Curitiba. Chama
Guilherme Fernandes! Ele é muito bom!” E eu, assim, sem nem sequer conhecê-lo
pessoalmente, convidei-o para uma leitura promovida pela Nena Inoue no Teatro
da Caixa. Era para o texto “Metaformose”, do Paulo Leminski. E entre o Luthero
Almeida, o Raphael Rocha e o Marcelo Munhoz, fiquei observando aquele
“louva-a-deus” branquelo, inventando-se em cena e espraiando-se no palco.
Misturava um jeito fajuto de interpretar em TV com uma impetuosidade cênica
arrebatadora! E vi nele coisas que sempre me encantam nos atores: coração
aberto, audácia, desejo, loucura, coragem, uma boa dose de pavonice e a tal
humildade diante da grandeza do universo. O Guilherme encarava aquela situação
cênica com volúpia! E era também muito inteligente. Dramaticamente inteligente,
o que é muito importante e raro! E confiei. Passada a leitura e num primeiro
momento de aproximação dei-lhe substituições, mas substituições de grande
responsabilidade (“O Evangelho Segundo São Mateus”, “Capitu – Memória
Editada”), que eu também nunca tive medo de admitir minha intuição. E o
Guilherme sempre respondeu aos desafios com determinação poderosa. Porque um
diretor precisa confiar. Aquela confiança que é você transferir da sua mão para
a outra, uma granada cujo pino já foi arrancado! E dali, daquele espírito
moleque e livre, pirilampo e tigre, germinou um ator que avança. Que
experimentou, até pela minha irresponsabilidade, diversas loucuras no palco.
Ah, como é boa esta palavra: “avança”! E nunca correu da raia! Foi “Kafkas”, a
encenação do “Metaformose”, a grande viagem do “Evangelho Segundo São Mateus”,
a pira maluca de “Satyricon Delírio” e essa certeza que eu tenho de que esse
piá Guilherme só me dá prazer quando sobe no palco, escancara seu corpo e fala!
Há alguns dias larguei na sua mão mais uma granada: a substituição, em duas
peças infantis. Duas peças curtas, adaptadas de livros da Editora Positivo! Nunca
duvidei que ele faria com a velocidade que eu precisava e com a precisão que o
projeto pedia. Mas... E que bom que sempre tem um “mas”, neste caso “mais” do
que positivo, trocadilhos à parte! Percebi nos últimos ensaios um ator cuja
evolução é flagrante! Colocando-se em cena com autoridade e grandeza,
respirando o espetáculo com inocência e, dando o texto com propriedade! Que
mais? Uma apropriação rara! Preenchendo as diversas camadas da interpretação
com raciocínio rápido e sensibilidade à flor da pele. E então que eu saltei por
alguns segundos para os últimos cinco anos e achei tão pouco dizer-lhe, no meio
do ensaio “Muito bem, Guilherme!”, esse menino que eu gosto tanto e que às
vezes xingo e com quem brigo, porque espero dele ainda mais! Espero porque sei
que ele vai dar, porque tem uma generosidade incrível! O Guilherme é desses
atores que me dão prazer de ensaiar, que me impulsionam, que dão à minha
direção um rumo que até eu desconheço. Há quem tenha medo do talento alheio. Eu
ao contrário, adoro; e gosto mais ainda de pegar na mão deles e entrar de olhos
fechados no desconhecido! O Guilherme me deixa assim! E com ele eu sinto que o
teatro é um lugar maravilhoso! De gente firme e ousada! Como eu disse: confiar
é preciso! O Guilherme me enche o espírito artístico com a palavra “avança”!
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