Fernanda Montenegro em "As Lágrimas Amargas de Petra Von Kant"
“Atravessar a vida
com o coração encarcerado é como fazer uma viagem transoceânica trancado no
porão de um navio. Todo o significado, a aventura, a excitação e a glória de
viver estão longe de poderem ser vistos e tocados.”- Alexander Lowen
Há tanta profundidade e tantas camadas de interpretação nesta simples
frase de Lowen (discípulo de Wilhelm Reich) que talvez o melhor fosse deixá-la
consiga mesma e que ressoasse dentro de cada um como fosse permitido. Fato é
que se o mistério esquizofrênico de estar em cena é sempre um exercício de
especulação, também é impossível negar que certos atores experimentam-no com
exuberância e glória. Como isso? Oras, se as camadas da interpretação são
muitas e todas têm que ser bravamente enfrentadas e decodificadas para que a
experiência cênica seja viva e intensa, também é preciso aceitar o desafio e
encará-las de frente. Gosto de começar pensando que, antes de mais nada, é
preciso encarar Sócrates e seu “conhece-te a ti mesmo”. Ok. Isso é quase
impossível em 100%, mas não é impossível, além do óbvio, com um mínimo de
humildade. Quem sou eu? Por que faço isso ou aquilo dessa ou daquela maneira?
Por que gosto disso assim e não assado? E etc!
Grande parte dos atores não sabem nem porque querem ser atores! Afinal,
antes de mais nada, é preciso experimentar o exercício de ser você mesmo,
depois o exercício de ser você mesmo com o outro. Numa terceira etapa
acrescenta-se o todo do espetáculo, que já é um universo inimaginável de
pessoas, situações e técnicas (incluindo aí sonoplastia, iluminação figurinos,
cenários, etc.). E finalmente tudo isso mais o público! Quatro etapas que
precisam ser vivenciadas em sua integridade! E ao mesmo tempo! No instante em
que você, ator, se desconcentra de uma delas, rompe-se a magia da sensibilidade
e acontece o buraco negro. Nem o ator, às vezes, percebe, mas foi-se a coisa! E
nesses 30 anos de teatro, quando trabalhei com mais de 250 atores, percebi que
na sua grande maioria, mal conseguem atingir 40% da primeira etapa, aquela do
Sócrates! Das outras três não fazem, nem nunca fizeram a menor ideia! A grande
maioria deles por puro medo, por defesa ou por falta de coragem de abrir-se
para o outro. Não saem da casca e não sabem por quê! E se satisfazem em ser
papagaios repetindo textos, marcas e orientações externas. Nem todo mundo que
dança é bailarino, nem todo mundo que pinta um quadro é um artista plástico,
nem todo mundo que sobe no palco e anda e fala é artista! Também é uma questão
de ambição. A ambição de conhecer-se e a ambição de ser artista! Há, sim, uma
técnica! Uma não, muitas! E é pensando nela que subo um degrau e penso na
segunda parte dessa aventura de ser ator: a divisão em dois tipos de
treinamento, um não menos importante que o outro. Complementares por conta
própria. É preciso aquecer o corpo; e é preciso aquecer os sentimentos.
(Continua...)
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