Diários de São Paulo – 19 de abril - “Alguma coisa sempre nos falta” é
um pensamento de Caio Fernando Abreu, lembrando Adelle H. E como eu concordo em
gênero e número, sempre fico pensando que não apenas na vida cotidiana, mas na
arte, passamos o tempo todo tentando preencher esta lacuna. Porque como não
sabemos direito o que é esta “coisa” que nos falta, o buraco acaba virando
expressão, que elaborada, desemboca na arte. Talvez sim, talvez não. Mas também
eu acho que isso não tem muita importância, porque o que é a arte? Em nossos
tempos competitivos e tecnicistas e, mais que nunca, acadêmicos, a arte, qualquer,
precisa ser esmiuçada e explicada. Tem que ser engavetada, qualificada e, se
possível, enclausurada num tomo de enciclopédia virtual. Mas eu penso que a
arte não acontece nem no criador e nem naquele que a frui, acontece entre eles.
A arte foi e é (como será no futuro?) um acordo entre as partes. Daí que
grandes obras de arte desapareceram no tempo e outras nem tanto, permanecem
desafiando o tempo. Eu, trabalhando com a Mercearia de Ideias, grupo de dança
do Luiz Fernando Bongiovanni e seus artistas dançarinos, aqui em São Paulo,
aprendo a cada minuto os caminhos desta aventura, surpreendendo-me a cada um
com descobertas impossíveis. Me diz o Bongiovanni que o filé mignon da arte
acontece nos ensaios e que ao público restam as migalhas, porque a ele é
oferecido o mínimo, do mínimo, do mínimo de tudo o que acontece nos ensaios.
Não tenho dúvidas. Nesta sexta-feira, entre nove da manhã e quase uma da tarde,
um espírito chegou-se para ensaiar com os bailarinos e, preencheu um pouco
daquilo “que sempre nos falta” deu-nos uma experiência coletiva do que é impossível
explicar, mas não é impossível repetir. E, não tenho dúvidas, o verdadeiro
sentido da arte esteve presente. Como poucas vezes eu pude experimentar nestes
meus trinta anos de teatro. Uma experiência inesquecível de emoção, suspensão,
humanidade e elaboração de movimentos. Como também disse depois o Bongiovanni: “Acho
que nunca vivi uma situação como a de hoje, ficou reverberando o dia todo em
mim. Queria ter ido para casa ficar só e quieto digerindo... Espero que isso
seja um sinal de que estamos indo num caminho bom, que estejamos nos conectando
com algo verdadeiro e que possamos fazer um trabalho que fale realmente à alma
das pessoas. O trabalho está vindo...” Quem duvida? Exaustos de tanto filé mignon
vivido, visto e comido, todos os bailarinos deitaram-se no chão lavados de suor
e a Karine olha para mim e dispara: “É este teu trabalho, né? Deixar a gente à
flor da pele!” Talvez, mas acho que não sabia... Até hoje!
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