Quando Deus e o SESC me presentearam com duas temporadas de quase três
meses pelo Nordeste brasileiro (uma vez com “Capitu” e outra com “O Evangelho
Segundo São Mateus”), uma das coisas que me chamaram mais atenção era a relação
do nordestino com a “arte”. Eu costumava dizer que tudo no nordeste era arte:
as paredes, os panos, as roupas, as estátuas, as igrejas... até as calçadas. E
então que o público e sua receptividade te dava o tempo todo a sensação de que
você, no palco, era um artista total e importante. E que aquilo que você estava
fazendo transformava o ar, alterava o tempo e iluminava qualquer espírito. Pois
me senti assim assistindo “Gonzagão – A Lenda”, escrito, dirigido e com roteiro
musical do incrível João Falcão. Ok! É a história de Luiz Gonzaga, pelos
caminhos da poesia e da música e nem é preciso falar mais. O que é preciso
falar é da arte, aquela que fala com você por lugares que nada tem a ver com
raciocínios lógicos ou arrogâncias intelectuais. É a arte popular que conversa
com nossa memória, nossa experiência viva de ser um cidadão completo de um
Brasil autêntico. A arte que vai buscar em nossas raízes a sua matéria prima. E
como João Falcão faz isso? Num exercício de elaboração inacreditavelmente
complexo e atores e músicos excepcionais! Poucas vezes assisti a um espetáculo tão
narcísico e tão completo em todos os seus elementos. Figurinos, adereços,
coreografia, luz e dramaturgia, simplesmente belos e harmônicos. Vão além do
clichê, além do folclórico, além do barroco. São elementos que não pretendem
expressar a vida e seus elementos, mas construir e desconstruir a forma e seu
conteúdo. E é então que entram em cena os atores/cantores/bailarinos. Excepcionais!
Teatro de gente, teatro de sangue, teatro de alma, teatro onde o corpo todo é
elemento de construção de cena. Numa época em que a imobilidade parece ser a
grande descoberta, João Falcão e seus selvagens atores, fazem o teatro mais
moderno que poderíamos ter. O teatro autêntico! Os atores de “Gonzagão – A Lenda”
fazem tudo e excepcionalmente bem! Só não voam, mas aí era demais! Saí do Teatro
Positivo no mais louco estado de graça! Vontade de cantar, de amar, de dançar,
de fazer mais e mais teatro! Teatro que ilumina tudo à sua volta. “Gonzagão – A
Lenda” é tão importante em todas as suas propostas e em todos os lugares que
pretende chegar e chega, que deveria ser exibido para o Brasil inteiro. E eu
fico pensando que se aqueles maravilhosos artistas conseguiram fazer os
curitibanos tirar a bunda da poltrona para se deixar levar pela música e pela
interpretação, como seria este espetáculo no Nordeste! “Gonzagão – A Lenda” é
uma explosão de arte! Viva! Viva! Viva o teatro brasileiro!!! Este espetáculo
representa tudo o que nós temos de melhor. Em todos os sentidos!
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