O Cinema Brasileiro é de uma caretice insuportável! Salve-se um cinema
belíssimo e radical feito no Nordeste Brasileiro, mas que não encontra
distribuição digna. Cynara Menezes publica um artigo excepcional sobre dois
filmes (um bom e um ruim) que “conta” a história de dois dos maiores ídolos da Música
Popular Brasileira. Um artigo que merece uma visita porque é esclarecedor e
explica porque há tanto tempo estamos longe de um cinema que, de verdade,
represente a cultura brasileira.
O Cinema encaretou Cazuza e Renato Russo.
Por Cynara Menezes, do blog Socialista Morena, via Carta Capital
Dois ídolos, duas cinebiografias e algo em comum: a tentativa de
amenizar a homossexualidade de ambos. Em cartaz nos cinemas, Somos Tão Jovens, de Antonio Carlos
da Fontoura, sobre a vida de Renato Russo, comete exatamente o mesmo erro de Cazuza - O Tempo Não Pára, de Sandra Werneck e Walter Carvalho, de 2004. A
homossexualidade assumida de Renato, assim como a de Cazuza, é transformada em
uma bissexualidade que não houve em nenhum dos casos. É como se, ao apresentar
os dois à juventude atual, os diretores/produtores quisessem torná-los mais
palatáveis, quase “normaizinhos”, algo que tanto um quanto o outro odiariam.
Cazuza e Renato Russo se foram cedo deste mundo, vítimas da Aids:
Cazuza, em 1990; Renato, em 1996. Em sua vida louca, vida breve, nenhum
dos dois jamais almejou ser modelo de comportamento para ninguém. Qual é!
Renato brigou do palco com um estádio inteiro, o Mané Garrincha, em 1988. Cazuza
mostrava a bunda para a plateia em suas últimas apresentações. Eram autênticos,
verdadeiros, viscerais. Nunca abriram mão de suas convicções e de sua loucura
poética, até o último momento.
Na época em que foi lançado o filme de Cazuza, o próprio pai do cantor,
João Araújo, veio a público criticar os cortes nas cenas de
sexo. ”Quiseram ter muito cuidado com o lado homossexual de Cazuza. No que
começaram a tomar cuidado demais, para não transparecer e para não virar filme
proibido para menores, afastaram-se bastante da realidade”, disse Araújo aos
repórteres Pedro Alexandre Sanches e Silvana Arantes, da Folha de S.Paulo. Parceiro de Cazuza no Barão Vermelho, Roberto
Frejat estranhou o tratamento dado no filme ao amigo, que aparece transando com
mulheres. “Nunca vi prática heterossexual nele. Teve, sim, mas quando não
estava completamente convencido de ser gay, bem antes de me conhecer”.
Sintomaticamente, Ney Matogrosso, amigo íntimo e ex-namorado de Cazuza,
simplesmente desapareceu da versão final.
Com o líder do Legião Urbana a coisa foi parecida – com a diferença de
que o filme sobre Cazuza é razoável, e o sobre Renato, ruim. Um desperdício,
aliás, porque encontraram um ator, Thiago Mendonça, bastante semelhante a
Renato Russo e com boa voz para viver o protagonista, mas o filme se perde em
um roteiro fraco, digno da série Malhação se fosse feita pela Record.
Todo mundo que conviveu com Renato em Brasília sabe que ele era muito
menos comportado (para dizer o mínimo) do que o garoto sensível e “família”
retratado no filme. E que, apesar de ter escrito “gosto de meninos e meninas”,
seus casos mais notórios sempre foram com homens. Em Somos Tão Jovens,
provavelmente também para fugir da censura 18 anos, como aconteceu com o filme
de Cazuza, a questão gay se transforma em algo lateral na vida de Renato e a
história se centra em uma personagem feminina que nunca existiu, espécie de
amiga-namorada do jovem compositor.
Pior: Renato transa com Aninha, mas não aparece beijando um homem na
boca nem uma só vez no filme, como se fosse bacana para uma obra
cinematográfica se pautar pelos mesmos (e condenáveis) parâmetros das novelas
das nove globais. Os produtores podem até recorrer à desculpa de que o filme
aborda a época anterior à fama de Renato Russo, ainda adolescente: é o “retrato
do artista quando jovem”, já que o longa termina quando o Legião Urbana começa
a fazer sucesso. Mas, mesmo neste período, é conhecido o fato de que o cantor
já tinha um namorado fixo. Homem. Então não se trata de licença poética, mas de
uma mentira contada a platéias adolescentes inteiras. Renato não tinha nada do
menino pueril que aparece no filme. E era gay. Não “mais ou menos gay”. Ponto.
Para os fãs mais velhos de Renato e de Cazuza, fica na boca um gosto de
traição. Por que os filmes feitos sobre os nossos ídolos precisam suavizar as
biografias deles? Qual o problema em escancarar que eles tinham uma vida louca,
sim, que experimentaram drogas, que bebiam e que eram felizmente gays,
assumidos? Sinal dos tempos neoconservadores que vivemos? Como diria Cazuza,
vamos pedir piedade, Senhor, piedade. Para essa gente careta e covarde.
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